sexta-feira, 22 de julho de 2016

LIMBO E O ANONIMATO EM SÃO PAULO

Por Alexandre Gil França


Passados três anos da primeira versão de LIMBO, posso afirmar que nunca, em toda a minha trajetória como dramaturgo, uma doença pôde ganhar contornos tão densos e, simultaneamente, tão distantes do que eu imaginava ser a face do incurável, aqui representada pela fatalidade do câncer terminal. As palavras em LIMBO, sem falsa modéstia, choram sem querer. A doença, portanto, pulsa no centro da linguagem empregada nas engrenagens dramatúrgicas. Ela faz coro com o que escondemos. Com o que evitamos. Esta impressão de densidade emergiu definitivamente no trabalho com o elenco, talvez por ter ficado claro para todos do Coletivo de Heterônimos que LIMBO, na verdade, trata, não do que não podemos curar, mas do que não podemos reconhecer. É por este prisma que a doença ganha sua circulação de chumbo: na falta de um corpo; em uma sombra monstruosa. Neste sentido, a peça dialoga, de maneira cínica, com o que, na época, era a minha condição anônima em São Paulo. As relações que iniciaram o processo deste espetáculo, poderíamos dizer, se deram em um completo acaso, fruto, no fundo, da minha necessidade de conexão com algo externo. O fantasma do anonimato (do homem, da doença, do mundo ao redor), esta entidade que é chamada na peça através do nome Guilherme, é nada mais do que a capacidade solitária que temos de nos conectar com o mundo, mesmo em situações limites que nos fazem duvidar do nosso poder de insistência vital – mesmo quando não resta mais ninguém para assistir ao desenho do nosso drama. Estamos sempre em relação com alguma coisa e este tipo de dinâmica, própria do ser e da sua lógica de persistência, é o que nos movimenta a compreender a singularidade dos laços, até quando não há mais perspectiva de futuro – ou quando esvaziamos toda a nossa mente de afetos. LIMBO é, portanto, um elo entre o anonimato e o próprio viver. Sua materialidade, forjada por durante quase um ano em ensaios, pra dizer, no mínimo, árduos, empreendidos com sagacidade por Bruno Ribeiro e Amanda Mantovani, é a prova de que a singularidade das relações sempre nos surpreende e sempre se afirma frente a pessoalidade dos corpos. LIMBO é uma louvação ao humano, não em sua monótona liturgia do Eu, mas em seu desprendimento absoluto em direção ao mundo. O cenário de Hélio Moreira Filho talvez seja o que melhor representa o sistema afetivo desta peça – um grande, absoluto e cego nada branco que insiste em contaminar a rota das narrativas pessoais, transformando-as em corpos plásticos e múltiplos. Mesmo enclausurados, as duas figuras de LIMBO se movimentam livremente na linguagem – lá onde não temos a precisa dimensão do que podemos e do que não podemos fazer, onde esquecemos o rosto sem dúvidas da verdade e nos afundamos no puro acontecimento do existir.

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